Como surgiram as prisões? A origem do cárcere.

Resenha com conteúdo histórico. 

Mensagem da escritora: essa é uma análise sucinta de uma obra de Michel Foucault, portanto usarei como base principal um dos seus livros mais importantes, o "Vigiar e Punir – Nascimento da Prisão". 

Ao longo dos textos que publicarei no blog vou utilizar outras fontes de pesquisa, como por exemplo o documentário "A 13ª Emenda" (deixei o link na descrição) entre outras fontes para tratarmos da história do Carandiru na semana que vem. 

Inicialmente pensei em quatro posts e quatro episódios de podcast sobre o cárcere, que seriam divididos em: "Como surgiram as prisões? - A origem do cárcere"; "A história do Carandiru"; "O Massacre do Carandiru"; e "O Sistema Prisional Brasileiro Pós-Carandiru". Mas, caso dê para unir os posts sobre a História e o Massacre do Carandiru, sem ficar muito longo e cansativo, o farei. 

Explicado o roteiro de posts desse mês, vamos finalmente saber a origem das prisões. 

Boa leitura! 

 


"O prejuízo que um crime traz ao corpo social é a desordem que introduz nele."


Surgiu na história a necessidade de modificar as penas aplicadas quando o suplício se tornou intolerável em meados do século XVIII. O suplício é a grave punição corporal ordenada por sentença; tortura; ou até a pena de morte. Para Foucault, o suplício também era um ritual político e uma estrutura cerimonial que manifestava poder. 

 

Essas práticas de punições já não eram bem vistas aos olhos do povo, as execuções em praça pública e os castigos corporais vexatórios e cruéis passaram a trazer sentimentos de revolta e não de justiça. O suplicio significava a tirania, o excesso, a sede de vingança e o cruel prazer em punir.  

 

Então na metade do século XVIII, o suplício foi considerado um espetáculo desumano e influenciado por ideais iluministas surge a necessidade de punição por parte do Estado, ao invés de um ideal de vingança. Fazendo-se respeitar o "homem" como forma jurídica e moral, suprimindo as ilegalidades. 

 

Com essa alteração da percepção e efeitos da punição a sociedade passou a pensar em outras formas de coibir crimes, e numa forma de aplicar sentenças mais humanizadas. Juristas da época atentavam sobre a diferença entre a punição e vingança, afirmando que a punição não deveria ser um ato desmedido de vingança e sim uma medida de garantia do bom funcionamento da sociedade. 

 

Esses ideais tomaram força com a Revolução Francesa, que foi um movimento social e político ocorrido na França no final do século XVIII e que teve por objetivo principal derrubar o Antigo Regime e instaurar um Estado democrático que representasse e assegurasse os direitos de todos os cidadãos: o "homem", os direitos do "homem", e a humanidade como um todo. 

 

A revolução também lutou por igualdade jurídica e direitos políticos para todos os homens comuns. Dessa forma, era necessário trazer um novo significado para as infrações e o crime. Se pensarmos que existe um pacto social, em que a sociedade está unida por laços, e que há um contrato, logo, o criminoso é este ser paradoxal que quebrou o contrato. Ele não é mais um inimigo do rei, ele se torna um inimigo social, alguém que se afastou do pacto entre todos os cidadãos.  

 

Como não há mais um rei para se ofender e se vingar desse crime, o principal ofendido agora passa a ser a sociedade. O rei considerava todo ato transgressor uma ofensa direta a coroa, todo crime era considerado um ato contra o rei, e por isso as punições desses crimes eram tratadas como vingança e não como uma punição justa e humanizada. 

 

Com a revolução e a instauração de um Estado Democrático que assegura direitos iguais, as punições passaram a ser correspondentes aos atos praticados. O criminoso era aquele que ameaçava a todos com o seu ato. E ele era considerado perigoso porque não seguiu aquele acordo entre todos os cidadãos, e por isso era necessário que houvesse punição, para justamente não encorajar outras pessoas a transgredirem ao pacto. 

 

A sanção precisava punir o suficiente para que o crime não acontecesse novamente. O ato de castigar devia acontecer de modo eficaz, medido e generalizável. Diferente do julgamento monárquico que era a pura manifestação do poder do rei, descomedido, excessivo e muitas vezes contraditório. O poder de julgar e condenar não podia mais se sustentar sobre essas bases. Era necessário um poder independente, com uma base universal, regular, contínua e justa. 

 

Outros tempos certamente exigem outra maneira de punir e é preciso haver racionalização da punição, por isso, Foucault apresenta algumas regras acerca da punição, com um viés proporcional e humanizado. São elas: 

Regra da quantidade mínima, que consiste em dizer que: da mesma forma que o motivo do crime foi a vantagem estabelecida ao realizá-lo a eficácia da pena está na desvantagem que se espera dela; 

 

Regra da Idealidade Suficiente: a pena serve de representação para os outros, que devem observá-la e julgar internamente se devem ou não cometer a mesma infração. A punição é a contramedida do crime, e serve para desincentivá-lo de forma a dar um exemplo positivo sobre um ato negativo; 

 

Regra dos Efeitos Laterais: A pena deve ter efeitos sobre todo o corpo social, não basta apenas o sentenciado ser punido, todos devem saber qual foi a pena para tal delito. É necessário que cada sentenciado sirva de exemplo para todo o corpo social, produzindo um efeito de prevenção geral; 

 

Regra da Certeza Perfeita: É preciso deixar evidente que o cometimento de crimes carrega consigo uma punição, fazendo com que os malfeitores pesem as vantagens entre cometer um delito e a responsabilidade em pagar por um castigo em contrapartida; 

 

Regra da Verdade Comum: É o abandono das chamadas "provas ilegais", como a tortura e a própria utilização do suplício para conseguir confissões de um crime. A verdade deve se manifestar sob provas empíricas, estando a prática penal submetida ao regime comum de verdade, através de provas e evidências. A verificação de um crime deve então obedecer a meios lógicos e criteriosos de obtenção da verdade; 

 

Regra da Especificação Ideal: Consiste na criação de um código explícito e que defina o crime e a sua pena. Devendo estar cada tipo de infração claro e classificado. Além disso a aplicação dessas sanções deve ser igual para todos, não podendo haver qualquer tipo de favorecimento do indivíduo por conta de sua condição social e/ou financeira. 

 

Para Foucault todas essas regras correlacionadas criam a chamada "Nova Anatomia Política", ou uma nova arte de punir, a súplica para que todos se mantenham firmes para que a sociedade ande, sem grandes desvios ou tropeços, em direção à luz, ao progresso, à “liberdade, igualdade e fraternidade”. 

"A punição ideal seria transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha com o crime, a simples ideia do delito despertará o sinal punitivo."  

 

A humanização da pena nada mais é do que o efeito de um cálculo racional. Em vez de uma punição espetacular que humilha e mutila corpos em praças públicas, agora temos uma punição medida e cuidadosamente deliberada.  

 

" Para cada crime sua lei, para cada criminoso, sua pena." 

 

E foi assim que surgiram as prisões. É claro que já haviam prisões egípcias, ou instituições da Igreja e hospícios que eram utilizados como ferramentas de castigo para transgressores. Como por exemplo o Hospício de San Michel, em Roma.


Os edifícios que compunham o San Michel foram construídos nos séculos XVII e XVIII e eram divididos entre um orfanato, um hospício para idosos abandonados e a prisão para menores de idade e mulheres. Esse último era denominado: Casa de Correção. 

 

Até o século XV o encarceramento não era uma forma de pena, mas sim um meio de custódia de acusados para que então fossem levados ao suplício. O conceito de prisão em forma de pena começou a ser usada em mosteiros na Idade Média, "como punição imposta aos monges ou clérigos faltosos, fazendo com que se recolhessem às suas celas para se dedicarem, em silêncio, à meditação e se arrependerem da falta cometida, reconciliando-se com Deus". 

 

Essa ideia do "recolhimento de criminosos" inspirou a construção da prisão de House of Correction, ou Casa de Correção, construída em Londres entre 1550 e 1552, e o modelo foi difundido de modo marcante no Século XVIII com o advento da Revolução Francesa e os ideais de reforma das sanções. 

 

Dessa forma foram criados modelos prisionais mais "atualizados", a construção da prisão de Rasphuis em Amsterdã foi estabelecida em 1596 na antiga Clarissenklooster em Heiligeweg e apenas jovens criminosos do sexo masculino foram levados pra lá. Mulheres delinquentes eram enviadas para o Spinhuis.  

 

Rasphuis, Amsterdã

O Rasphuis marcou essa virada no pensamento jurídico e foi feita uma tentativa de incluir a ordem e uma vida regular, então ele foi construído com o instituto de melhoria. Porém, no portão de entrada da prisão estava escrito: "Bestas selvagens devem ser domesticadas" e existem várias histórias contraditórias sobre castigos que envolviam prender os condenados em uma cela e a inundar para que fossem reprimidos algum comportamentos ruins dentro da prisão, mas essas histórias nunca foram comprovadas.  

 

Outro modelo de prisão foi o da Filadélfia de 1790, esse modelo prisional foi adotado no presídio de Cherry Hill da cidade da Filadélfia, nos Estados Unidos, por William Penn. A característica principal desse regime se pautava na reclusão total do preso, ou seja, o cumprimento da pena era isolar o condenado de todas as pessoas durante todo o período de sua condenação.  


Presídio de Cherry Hill

Para Foucault as prisões foram essenciais no conjunto das punições. Ele determinou que as prisões marcaram um momento importante da história da justiça penal e do acesso a "humanidade". Para ele: a evolução do aparato carcerário configurou os pormenores do funcionamento prisional que não deve ser visto enquanto uma instituição inerte. O trabalho penal deve ser compreendido como uma máquina de transformação do prisioneiro violento para uma peça dotada de funções regulares. 

 

Porém, ainda segundo Foucault, na evolução da essência prisional o método disciplinador fracassou na proposta de criar pessoas ditas "honestas", mas prosperou no intuito de compreender que delinquentes são úteis no sentido econômico e no sentido político. 

 

A detenção, a reclusão e o encarceramento correcional não passaram, de certo modo, de nomenclatura diversa de um único e mesmo castigo. Pois na prática as prisões ainda utilizavam de métodos de tortura e violência aplicados no suplício, só não eram mais executados em praças públicas. 


Para além dos modelos de prisão, era preciso também se atentar a disciplina, que trazia a ideia da separação dos corpos, Foucault determinava de "a distribuição dos indivíduos no espaço". Que consistia na ideia de que: "as disciplinas, organizando as "celas", os "lugares" e as "fileiras" criam espaços complexos: ao mesmo tempo arquiteturais, funcionais e hierárquicos. São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação; recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e indicam valores; garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia do tempo e dos gastos. São espaços mistos: reais pois regem a disposição de edifícios, de salas, de móveis, mas ideais, pois projetam-se sobre essa organização características, estimativas, hierárquicas." 

 

No Brasil, o sistema penitenciário foi instituído através da Carta Régia de 8 de julho de 1796 que determinou a construção da Casa de Correção da Corte. Porém, foi apenas em 1834 que começaram as construções da Casa de Correção na capital do país, na época Rio de Janeiro, e a sua inauguração aconteceu no dia 6 de julho de 1850. 

 

A partir do século XIX que se deu início ao surgimento de prisões com celas individuais e oficinas de trabalho, bem como arquitetura própria para a pena de prisão. Mas, o Brasil ainda era colônia portuguesa, então não havia um Código Penal específico para o país, dessa forma, o Brasil era submetido às "Ordenações Filipinas", no livro V deste código era determinado os crimes e penas que seriam aplicadas no Brasil Imperial. 

 

Em 1830, as "Ordenações Filipinas" foram, em parte, revogadas e o Brasil Imperial instituiu o primeiro "Código Criminal". A prisão como forma de pena foi implementada de duas maneiras: a prisão simples e a prisão com o trabalho.  

 

Com a influência das ideias reformistas e vista como uma punição moderna, a pena de prisão com trabalho, que tinha por objetivo reprimir atividades criminosas e reabilitar os condenados, foi realmente posta em prática 1834, na Casa de Correção da Corte.

  


Fora instituída na Casa de Correção da Corte, o Instituto de Menores Artesãos, criado pelo decreto n. 2.745, de 13 de fevereiro de 1861, o objetivo era abrigar menores que cometiam atos infracionais e órfãos. O Instituto trabalhava a educação moral e religiosa dos acolhidos. No local eles estudavam, aprendiam uma profissão, música e desenho. 

 

O advento do Código Penal aconteceu em 1890 e possibilitou as novas modalidades de prisão, determinando que não mais haveria penas perpétuas ou coletivas no Brasil, limitando as penas restritivas de liberdade ao indivíduo delinquente. 

 

Também foi estabelecido que o tempo máximo de reclusão dos transgressores seria de até trinta anos na modalidade de prisão com trabalho obrigatório, que basicamente significava "prisão disciplinar". 

 

No início do século XX, a legitimidade social da prisão ganhou variações para um melhor controle da população carcerária. Neste período, surgiram tipos modernos de prisões adequadas à qualificação do preso segundo categoriais criminais, como: contraventores, menores, processados, loucos e mulheres.  

 

Os asilos de contraventores tinham por finalidade o encarceramento dos ébrios (embriagado ou bêbado), vagabundos, mendigos e todo grupo que violasse os padrões de conduta esperados pela sociedade dá época. 

 

Os asilos de menores buscavam empregar um método corretivo à delinquência infantil.  Os manicômios criminais foram idealizados para aqueles que sofriam alienação mental e requeriam um regime ou tratamento clínico, o tratamento utilizado na época era o tratamento de choque. E sobre os manicômios publicarei no blog uma resenha sobre o "Holocausto Brasileiro". 

 

Os cárceres de mulheres, eram organizados de acordo com as indicações especiais determinadas por seu sexo. As mulheres levadas para esses lugares não eram necessariamente criminosas, podiam ser prostitutas, moradoras de rua e mulheres que se negassem a se casar ou que não obedecessem aos padrões patriarcais que eram impostos na época, conhecidas por "mulheres desajustadas". 


O primeiro presídio feminino do Brasil foi a Penitenciária Madre Pelletier, situada em Porto Alegre e fundada em 1937, e era gerenciado por freiras da Igreja Católica. Inicialmente recebeu o nome de Instituto Feminino de Readaptação Social e foi liderado pela Congregação de Nossa Senhora da Caridade do Bom Pastor, irmandade religiosa fundada em 1835. 


 

Se analisarmos essa forma de distribuição dos "delinquentes", podemos enxergar os ideais de Foucault, sobre a racionalização do espaço. Pois de certo modo foram considerandos o tipo do crime, tendo como critério o grau de infração, periculosidade do réu e outras características de condição da mente, gênero e idade.


  • É certo que tentamos mudar a forma de punir e de enxergar a punição ao longe da história. Mas será que o aprisionamento é a resposta para a repressão de crimes? 


  • O cárcere tornou a sociedade mais segura e justa? Os transgressores aprendem sobre honestidade e são ressocializados dentro das prisões? As prisões são realmente respostas mais humanizadas de punição? 


  • Essas e outras perguntas serão trabalhadas nos próximos textos do blog! 


Fontes de pesquisa:

https://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/centrocultural/foucault_vigiar_punir.pdf

Ficha Técnica do livro

  • Título: Vigiar e punir - Nascimento da prisão 
  • Autor: Michel Foucault  
  • Tradução: Raquel Ramalhete 
  • Editora: Vozes
  • Ano de Publicação: 1999 (20 Edição)
Link de compra do livro: https://amzn.to/3hMMoG6

https://www.youtube.com/watch?v=uiYtMlcaUc4&ab_channel=TVPUC

https://www.youtube.com/watch?v=VbTMV1-0BTk&t=321s&ab_channel=DrauzioVarella

https://www.youtube.com/watch?v=jH0X4CnbA0o&ab_channel=ProfessorAiltondaCosta


Conheça mais sobre o livro Vigiar e Punir

https://www.youtube.com/watch?v=niZu8katFQs&ab_channel=Historiar-Se

https://www.youtube.com/watch?v=8v4oq6cpZy0&ab_channel=DoxaeEpisteme


Dica de documentário

A 13ª Emenda - Netflix 

https://www.netflix.com/br/title/80091741

Estudiosos, ativistas e políticos analisam a correlação entre a criminalização da população negra dos EUA e o boom do sistema prisional do país.

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Por Thainá Bavaresco.

Comentários

  1. Nossa, eu li os livros Holocausto Brasileiro e o do Carandiru do Drauzio...Cada atrocidade! Enfim, foi ótimo saber a origem das prisões, tem coisa que faz parte da nossa realidade e a gente nem para pra pensar como surgiu e porque...

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    Respostas
    1. Exatamente amiga!!!!! Eu sou curiosa então quero sempre saber como alguma coisa surgiu hahahahah vou trazer mais textos assim para o blog! <3

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