A História do PCC - Primeiro Comando da Capital
A história a seguir contém descrições de crimes e não é indicada para menores de 18 anos.
Um país se faz da educação. Quem planta arma, colhe corpo no chão. Temos que acreditar nas favelas, nos cortiços, chega de morrer por migalhas, de mofar em presídios!
Facção Central
Seria estranho escrever sobre a história e massacre do Carandiru sem contar a história do PCC, o Primeiro Comando da Capital. Como escrevi no texto anterior, a criação do PCC é resultado direto do massacre do Carandiru.
Criar o Partido do Crime foi a resposta que os presos encontraram para lutar contra as repressões e violações de direitos humanos que eles sofriam – e ainda sofrem – dentro das unidades prisionais por parte do Estado.
Mas o PCC não foi a única facção criada dentro dos presídios superlotados do Brasil, a origem desses grupos que prometem combater as opressões estatais são, em sua maioria idealizados dentro das prisões. As mesmas prisões que violam direitos e retiram todo o resquício de dignidade e individualidade dessas pessoas.
Com o PCC não seria diferente. No documentário do UOL "PCC - Primeiro Cartel da Capital" um antigo integrante do grupo Serpente Negra e ex-detento do Carandiru relata que: "o PCC é filho da Serpente Negra", e conta que o grupo já lutava por melhorias na unidade e que desde antes de o massacre acontecer, o Carandiru já não tinha boas condições de cumprimento de pena; faltava remédios, atendimento médico, comida, assistência jurídica e a violência era brutal.
Todas essas questões contribuíram para o fortalecimento do crime organizado, que visava inicialmente lutar contra essas repressões. As facções eram movimentos de luta contra os maus tratos e o massacre do Carandiru foi o estopim para que esses movimentos tomassem a força necessária, fazendo com que os presos se unissem contra o Estado.
Após o massacre do Carandiru os detentos estavam em luto e buscavam por justiça. Porém, vários presos do Carandiru foram transferidos para a Casa de Custódia de Taubaté, conhecida como "Piranhão" e essa transferência foi considerada um castigo, porque na época a unidade era considerada uma penitenciária de "tranca" que se referia a "castigo" e todos os reeducandos que subvertiam às regras impostas eram mandados para lá.
Um dos presos transferidos do Carandiru para o Piranhão foi José Márcio Felício, conhecido como Geleião, no documentário do UOL ele aparece sendo narrado por outra pessoa, pois sua entrevista não foi autorizada pela unidade prisional, então ele encaminhou uma carta.
Nessa carta ele relata que em 1993 o Piranhão era um lugar horrível e massacrante, e afirma que estava disposto a mudar o sistema, e completa: "Já não aguentava mais sofrer espancamento, ver preso morrer e os médicos atestarem laudo falso. Então resolvemos fazer uma "bateria" para chamar atenção da autoridade, como o juiz corregedor dos presídios, que na época era o doutor Ivo de Almeida. Passamos dez dias e dez noites batendo as portas das celas, a polícia jogava água com mangueira, mas não conseguiram parar o movimento. Após estes dez dias e dez noites recebemos a visita do doutor Ivo de Almeida. Então fizemos nossas reivindicações e algumas foram atendidas."
Mas, como as mudanças não foram permanentes e os reais problemas da cadeia não foram solucionados, o movimento entre os presos tomou mais força, e no dia 31 de agosto de 1993, Geleião matou dois presos rivais e iniciou uma rebelião na Casa de Custódia de Taubaté.
Nesse mesmo dia, Geleião e outros 7 detentos conhecidos como Mizael, Dá Fé, Bicho Feio, Dudu, Cesinha, Zé Cachorro e Esquisito criaram um "sindicato" que prometia lutar por direitos dos presos e vingar o massacre do Carandiru. Esse sindicato era o PCC – Primeiro Comando da Capital.
Após a rebelião do Piranhão, Geleião conta que eles passaram cerca de 6 meses isolados enquanto a penitenciária era reformada, depois disso 16 presos foram transferidos para lá e o grupo se fortaleceu, ele relata que eles precisavam reivindicar direitos e que nesse momento já usavam o nome "PCC".
Ele lembra que na época o diretor José Ismael Pedrosa (antigo diretor do Carandiru à época do massacre) disse a ele que PCC era apenas uma fantasia, então eles mandaram um "salve" que é um tipo de "ordem" ou um "chamado", para José Eduardo de Moura, o Bandejão (Bandejão foi morto a facadas por dois detentos no presídio de Iaras, em maio de 2003), para que fizessem uma rebelião em Tremembé reivindicando a saída de Geleião e dos outros fundadores de Taubaté.
A ordem foi cumprida, a penitenciária virou num domingo, dia de visita na unidade, e segundo Geleião o grito do PCC ecoou e ninguém mais poderia segurar o Primeiro Comando da Capital.
Após essa segunda rebelião organizada pelo PCC o Governo queria separar os fundadores, então eles foram espalhados pelo sistema prisional. Geleião conta que esse já era o objetivo deles e a missão era dominar as unidades que estivessem cumprindo pena. "A ordem era combater os corruptos e acabar com os espancamentos dentro do sistema e se fosse preciso matar, que assim fosse feito. O sistema tinha que mudar".
Ele relata que: "O coordenador Lourival (Lourival Gomes, ex-secretário da Administração Penitenciária), querendo livrar-se de nós, negociou com o secretário do Paraná uma troca de presos. Fomos transferidos em uma troca de presos, em 6 de março de 1998. Quando chegamos fomos espancados, torturados pelos agentes penitenciários e nos colocaram na cela máxima de castigo, que ficava fora da cadeia embaixo da cadeia feminina, ficamos cinco meses trancados e depois fomos colocados dentro da cadeia, com os outros presos. Foi quando dominamos a cadeia e criamos o PCP: Primeiro Comando do Paraná. Depois passamos nas penitenciárias de Piraquara, Maringá, Curitiba. No fim, fomos transferidos para o Mato Grosso do Sul. Apenas os três fundadores foram para lá: eu, Cesinha e Mizael. No dia 17 de janeiro de 2000, fui levado para a prisão de segurança máxima de Campo Grande, onde estavam Cesinha e Mizael. Os irmãos já tinham dominado e batizado os presos. Alguns não aceitavam porque tinha um cara que era líder e não queria perder a liderança. Então a solução era matar ele. Era ele ou nós. Acabei então matando ele. Fui condenado a 8 anos e 8 meses por este homicídio. Depois da morte, chegamos ao domínio total. Chamamos todos e fundamos o Primeiro Comando do Mato Grosso do Sul. Depois de dominado o estado do Mato Grosso do Sul, fomos transferidos de volta para o Paraná. De lá fui para Papuda, Brasília, mas lá chegando não me aceitaram, então retornei a Piraquara. Foi quando tentamos fugir. Num belo dia rendemos 27 agentes e tentamos sair pela portaria. Nós já estávamos com o apoio de fora, porém por uma falha houve um tiroteio e não conseguimos fugir. Ficamos com a penitenciária uma semana sob nosso domínio. Três presos e um agente penitenciário morreram. Negociamos com o ministro da Justiça, José Gregori, em Brasília, e conseguimos voltar para São Paulo. Fomos transferidos eu, Cesinha e Mizael para o presídio de Avaré-SP. E o restante foi para Taubaté."
A carta que ele enviou ao UOL é enorme e relata com detalhes o passo a passo da criação do PCC; as rebeliões e as violações que eles sofriam nas unidades prisionais, o link está nas fontes de pesquisa ao final do texto e vale a pena ler.
Após o retorno dos fundadores para São Paulo, no início dos anos 2000 o PCC passou por uma grande guerra interna pela liderança do grupo e de um lado estava Geleião e Cesinha que acreditavam numa abordagem mais violenta e radical e do outro, estava Marcola, que queria transformar o PCC em um grupo criminoso organizado e que visasse o lucro com o tráfico de drogas.
A história é contraditória nesse momento pois Geleião afirma em sua carta que não matou a esposa de Marcola e que ambos o traíram e em contrapartida, Marcola afirmou em depoimento à Justiça que era perseguido por Geleião e Cesinha por não se submeter aos dois e afirmou que não sabia da ordem de matarem a sua esposa.
Não sabemos qual a real versão, mas o fato é que Marcola acabou se tornando o líder do PCC.
Geleião foi afastado do grupo para sempre e os fundadores do PCC acabaram sendo assassinados com o passar do tempo, até que somente Geleião permaneceu vivo até maio deste ano.
José (Geleião), foi preso pela primeira vez aos 18 anos de idade e nunca mais saiu do sistema. Ele morreu no dia 10 de maio de 2021, acometido pela Covid-19. Ele estava internado desde o dia 09 de abril deste ano no Centro Hospitalar do Sistema Penitenciário, na região do Carandiru, zona norte de São Paulo, mas por volta das 6h30 da manhã do dia 10 de maio teve complicações e não resistiu.
A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) confirmou o óbito e informou que Geleião cumpria pena na Penitenciária de Iaras, no interior de São Paulo. Geleião era o último fundador do PCC que ainda estava vivo.
No dia 18 de fevereiro de 2001 aconteceu a megarrebelião em 29 unidades prisionais do Estado de São Paulo, a mesma que fez com que o Carandiru fosse implodido no ano seguinte.
Até essa rebelião o PCC só era conhecido dentro da cadeia e para a sociedade as autoridades tratavam as histórias de que uma facção poderosa tomava força dentro dos presídios como sendo apenas rumores. Mas, a megarrebelião movimentou cerca de 28 mil presos que conseguiram tomar completamente 29 unidades do Estado de São Paulo em 30 minutos.
O "salve" partiu da Capital, de dentro do Complexo do Carandiru, eles foram conectados através de celulares e essa foi a maior rebelião da história do país. Esse dia ficou conhecido como "O dia em que o PCC virou o Sistema".
Segundo informações da época 10 mil familiares foram feitos reféns e vários reeducandos foram executados e decapitados. A rebelião acabou sendo noticiada em tempo real e o país inteiro assistiu o "PCC" estampado em bandeiras e camisetas dos presos. Não eram rumores, era o início da maior facção do Brasil e posteriormente da América Latina.
Nesse mesmo período o PCC precisava mostrar força, então algumas pessoas acabaram sendo executadas, tanto juízes, promotores, agentes penitenciários, como presos de grupos rivais.
Segundo informações passadas no documentário, o juiz de Direito José Antônio Machado Dias, conhecido como "Machadinho" corregedor e responsável pela VEC (Vara das Execuções Criminais), foi assassinado em março de 2003, nunca haviam executado um juiz em São Paulo, então isso foi um choque para a sociedade. Posteriormente o próprio José Ismael Pedrosa (diretor do Carandiru e Piranhão) foi executado com 10 tiros em 2005 após de aposentar.
Depois desse período de "tomada de poder" o PCC passou a realmente mudar o sistema carcerário, segundo os especialistas Jozino e Silveira, o grupo criminoso se espalhou por todo o sistema prisional e impôs regras de conduta aos presos, como por exemplo, a proibição do uso do crack nos presídios e a proibição de assassinatos motivados principalmente por dívidas de drogas.
Foi criado um "tribunal do crime" que tornava bastante burocrático assassinar alguém tanto dentro como fora da cadeia. A ação teria diminuído os índices de mortalidade nas penitenciárias de todo o Estado.
Segundo a Pastoral Carcerária, não há a divulgação de dados completos que possam demonstrar os reais índices de diminuição da violência entre os presos nas unidades prisionais. Porém, um levantamento feito pela própria Pastoral durante o período de 1999 a 2006, é possível afirmar que as mortes dentro das unidades caíram de 522 em 1999 para 377 em 2006.
A SAP nunca confirmou essas estatísticas, mas também não forneceu dados sobre mortalidade que foram solicitados pela BBC Brasil na época dessa reportagem, bem como, se negou a dar uma entrevista ao jornal.
Embora a SAP não confirme essas informações, é fato que o PCC conseguiu transformar as penitenciárias em lugares mais seguros e organizados, antes de sua criação era comum que presos fossem assassinados a sangue frio por qualquer motivo, e hoje em dia uma notícia assim no estado de São Paulo é muito difícil de acontecer.
Outra mudança importante na conduta de presos foi a tratativa com mulheres trans nas unidades. Não se tem uma confirmação oficial do PCC sobre isso, mas segundo o relato de mulheres trans que cumprem pena em penitenciárias masculinas, o PCC não permite que elas sejam membro da facção, mas foi determinado pelo grupo, através de um salve que elas fossem respeitadas.
E após esse salve a vida delas teria se tornado menos difícil nas unidades. A população LGBTQIA+ é sem dúvidas a população que mais sofre nas penitenciárias, eles são segregados e discriminados, isso acontece tanto por eles serem da sigla e também por conta de os demais presos acharem que todos tem HIV. Aparentemente, antes do salve além de todo o preconceito e segregação essas pessoas também eram violentadas, espancadas e estupradas.
Também possível afirmar que o PCC conseguiu "organizar" as prisões pelo baixo número de rebeliões que acontecem hoje em dia. As rebeliões ainda existem, mas normalmente são organizadas e realizadas em situações extremas. Quando a situação está mais caótica do que o comum, como por exemplo quando há racionamento de água de forma exagerada (Porque sim, é comum que haja racionamento de água nas penitenciárias e isso é um absurdo), quando há um mau fornecimento de alimentação, violência, e quando as violações são mais severas do que o "comum".
Mas, além do controle das prisões, o PCC também domina o mundo do crime extramuros e hoje em dia está a um passo de se tornar uma máfia.
O PCC é o principal exportador de cocaína do Brasil e tem alianças poderosas no exterior, como por exemplo a máfia Italiana, considerada a mais poderosa do mundo atualmente, além de ser reconhecido como sendo a maior facção da América Latina. E esse posto não foi conquistado de forma pacífica, desde o início o PCC lutou com sangue para ter notoriedade e até hoje é assim.
O PCC nasceu dentro da cadeia, foi fundado por 8 detentos que buscavam mudanças no sistema prisional. Lutou e ainda luta contra o Estado, tanto no âmbito da Execução Penal, quanto no âmbito da Guerra às Drogas, uma guerra falida, que o Estado insiste em prosseguir.
E eu preciso dizer novamente que o problema das drogas é uma questão de saúde pública e não de segurança pública, a Guerra não deveria ser contra as drogas, deveria ser contra a pobreza, contra a falta de emprego, contra a desigualdade social e contra o racismo estrutural.
A guerra às drogas mata pessoas pobres e pretas que vivem em comunidades desde 1940 e o problema nem conseguiu melhorar, só piora, a violência é triplicada, pessoas inocentes são mortas todos os dias por balas perdidas, as penitenciárias são superlotadas em decorrência do encarceramento em massa e nós não estamos mais seguros.
O sistema prisional que nutrimos desde o século passado é um sistema que contribui diretamente para a criação e fortalecimento do crime organizado. Eu escrevi no início do texto que a maioria das facções foram criadas dentro das prisões, motivadas principalmente pela não conformidade das violações de direitos e visando lutar contra a opressão do Estado, mas eu não conheço nenhuma facção que tenha sido criada fora de uma unidade prisional.
É preciso repensar o sistema prisional, mas também criar políticas públicas de base, o Estado precisa investir em educação, em moradia, em empregos e oportunidade para que as pessoas sequer cheguem ao sistema prisional.
E é preciso respeitar as condições da vida humana dentro das prisões. Tratar seres humanos como seres humanos, respeitando a integridade das pessoas que cumprem pena e proporcionando um cumprimento de pena digno, que ressocialize essas pessoas que voltarão para a sociedade e não transformando essas pessoas em criminosos ainda mais experientes, perigosos e revoltados com o sistema quando se tornarem egressos.
Eu finalizo esse texto com uma frase de Fiódor Dostoiévski, que diz que: O grau de civilização de uma sociedade pode ser medido pela maneira como tratam seus prisioneiros.
Se fossemos de fato medir o grau de nossa civilização com essa régua estaríamos condenados há pelo menos um século.
Fontes de pesquisa:
https://www.politize.com.br/pcc-e-faccoes-criminosas/
https://www.terra.com.br/noticias/especial/pcc/pcc3.htm
https://www.youtube.com/watch?v=3YePjB70lZo&ab_channel=BrasilLeaks
http://www.anpad.org.br/diversos/down_zips/68/2013_EnANPAD_EOR792.pdf
https://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u121460.shtml
https://pt.wikipedia.org/wiki/Primeiro_Comando_da_Capital
https://todavialivros.com.br/visite-nossa-cozinha/salves-as-mensagens-do-pcc
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2012/10/121001_carandiru_pcc_lk
Carta completa de Geleião
Documentário UOL PCC - Primeiro Comando da Capital
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Por Thainá Bavaresco.
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